quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Monika e o desejo: a liberdade, por Bergman

a Daniel Oliva, que me ensinou a amar Bergman

Ah, os verões! Quem nunca tiver se rendido a um, que atire a primeira pedra. É essa a questão fundamental em “Monika e o desejo” (1953), de Ingmar Bergman: como podemos nos render ao que sabemos passageiro, fugaz, finito? A resposta, ou seja, como, talvez nem esteja no filme, mas é poder se render que está.

Para Godard, “Monika e o desejo” era o “filme mais original do mais original dos cineastas”. De fato, o filme se parece pouco com qualquer coisa que eu tenha assistido antes: poucas vezes vi alguém fazer cinema assim, tão livre. E não se trata de recursos de imagem, mas de história. Difícil mesmo é subverter os roteiros que guardamos na memória, sair do lugar-comum ao qual estamos acostumados. E é justamente isso que Bergman faz com maestria em “Monika e o desejo”.

A história começa como tantas outras: um rapaz e uma moça (a nossa Monika) se apaixonam e juntos, têm vontades de fugir e largar tudo. Largam. Vão viver distantes da sociedade, longe de seus trabalhos e famílias, como se só se pudesse ser feliz de verdade abdicando a tudo. É um tempo feliz, aquele, mas que acaba com o fim do verão. É quando o rapaz acorda e sente que “o dia está diferente” – como ele mesmo considera.

Mas “Monika e o desejo” é um filme sobre liberdade e outras questões que vão levar ao maio de 1968: a juventude chegando, os anseios de gente que até então não existia aos olhos do mundo e passa a existir. E tem desejos. Monika, a protagonista, ama somente os verões, os ventos que circulam livres, e então percebe que ajudou a erigir sua própria prisão. E desmonta tudo. Se o rapaz do filme pudesse ter-lhe dedicado um poema, seria o Epigrama nº 8, de Cecília Meireles:

“Encostei-me a ti, sabendo bem que
Eras somente onda.
Sabendo que eras nuvem, depus a
Minha vida em ti.

Como sabia bem tudo isso, e dei-me
Ao teu destino frágil,
Fiquei sem poder chorar quando caí”.



O mais embrutecido dos expectadores há de ficar atônito com “Monika e o desejo”. Pronto, não digo mais nada.

domingo, 30 de novembro de 2008

“Juno” e a fórmula de sucesso do filme alternativo

Um punhado de músicas indie. Protagonistas problemáticos, rodeados de outros personagens cheios de manias e neuroses. Figurinos excêntricos. É juntar tudo isso que a gente chega fácil na fórmula que garante sucesso a filmes como “Juno” (2007) e “Pequena Miss Sunshine” (2006). Não é que sejam ruins nem bons por isso, mas seguem uma tendência que, se Woody Allen pudesse ter adivinhado que ia acontecer, teria deixado muitos bons filmes de sua carreira só na idéia.

Para mim também é encantador ver um filme com Velvet Underground, Buddy Holly, Cat Power e Belle and Sebastian na trilha sonora, como acontece em “Juno”, mas isso não resolve o resto todo. Na trilha, tem também aquelas canções em que a banda vai numa direção e as vozes vão em outra – o que garante algum prestígio junto a uma determinada classe de ouvintes.

O que fico pensando é se as pessoas crêem mesmo que “Juno”, de Jason Reitman, é um filme despretensioso só porque não acontece nada nele. Aí tem também festejar tanto a roteirista Diablo Cody, que ganhou o Oscar por ser ex-stripper e ex-operadora de telesexo (que era só o que se comentava sobre ela na época da entrega do prêmio). Mas a Juno, interpretada por Ellen Page, é mesmo bonitinha.

A história? Juno engravida de seu melhor amigo e decide entregar seu filho à adoção. A facilidade da explicação me faz lembrar de um professor que diz que é para ter medo quando a gente consegue falar sobre o que o filme trata assim, tão rápido. Não é que o filme seja ruim, admito: é só que coloca a fórmula do filme alternativo em prática sem encantar, fica faltando aquele ar de maravilha quando termina. Já “Pequena Miss Sunshine”, eu acho, não deixa faltar nada: é cheio de delicadezas e se realiza bem dentro do que propõe.

“Juno” se impõe mesmo pela trilha sonora, mas o tão-festejado roteiro deixa a desejar, já que no filme não acontece nada além do previsto: é uma linha reta. E vamos combinar: a graça do cinema (e da vida) é a surpresa.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A Bela, a Fera e o cinema do possível

Não é à toa que os filmes mais bonitos entram fácil na categoria fantasia. Aliás, são os que escapam da prateleira “Romance” – não coincidentemente, claro – os que oferecem as melhores doses de amor feliz. Não deve ser somente pelos personagens que não são humanos – assim eu, desconfiada, penso. Deve ser porque o amor bom demais tem mesmo que ir pra a classificação de “Fantasia”. Aí é que entra “A Bela e a Fera” (1946), de Jean Cocteau.

Mesmo para os fãs do colorido e das músicas de “A Bela e a Fera”, da Disney, não fica faltando cor nem história nem nada no de Cocteau. Em preto-e-branco, eu diria, a história tão conhecida fica cheia de contornos poéticos, com uma fera interpretada por Jean Marais, já íntimo de quem gosta do cinema que é bom demais para ser verdade por “Pele de Asno” (1970), de Jacques Demy.

A delicadeza que a atriz Josette Day imprime à Bela é ótima, mas Jean Marais está espetacular. Consegue fazer com que a gente – exatamente como a Bela – vá mudando de sentimento em relação à Fera. O que parece tão assustador é, na verdade, um bicho ferido com ânsias de se defender. Mas então a história segue (nenhuma pára) só para provar que a Bela de carne e osso de Cocteau acreditava naquela frase dele mesmo: “Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”. De repente, a história não precisava ser desenho animado para existir: podia ser com gente parecendo gente também. E como Cocteau é convincente!

Os figurinos são maravilhosos (assim mesmo) e os efeitos especiais são bonitos, ainda que não cheios de recursos como é possível hoje em dia. Talvez a graça esteja exatamente aí: Cocteau mostra que é possível aproximar o conto de fadas da vida real. Só vendo para crer.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Romance: o meu, o seu e o de Guel Arraes

O cinema nacional tem salvação, eu vi. Depois de “Todas as mulheres do mundo”, de Domingos de Oliveira, ficou faltando para mim mais um nacional arrebatador, que carregasse consigo a mesma doçura. Encontrei em “Romance”, de Guel Arraes. É claro que foi preciso muita delicadeza para tratar da história de Tristão e Isolda, de Bédier, mas isso, Guel faz com sutilezas de olhares desviados, gestos mínimos. E lindamente.

Gosto da mistura entre teatro e cinema. Gosto do figurino. Gosto da metalinguagem que me lembrou um filme que amo: “A mulher do tenente francês” (1981), de Karel Reisz. Em “Romance”, tem cinema dentro do filme. Ainda mais: tem também algumas peças de teatro e uma história de amor como poucas: a de Tristão e Isolda, a que deu origem ao amor romântico (aqui vale ler “We”, de Robert Johnson, que fala da visão da psicologia da história deles).

“Romance” foge daquela reclamação usual no cinema nacional de que parece novela. Não parece. Parece um filme, mas ainda melhor: fiquei desejando mais quando chegou ao final. Bons cortes de imagem e a fotografia é bem bonita. Os atores estão bem. E o filme tem aquela leveza difícil de se conseguir, principalmente quando se propõe a falar de uma história tão conhecida, daquelas que mesmo quem nunca ouviu falar em Tristão e Isolda conhece, por conhecer o amor. Mas não é cheia de clichês. É ousada, e a graça está exatamente aí.

Depois li no blog do filme que Guel orientou Wagner Moura (o Tristão) a ter algumas referências. No meio delas, tem “Jules et Jim” (um dos meus favoritos do mundo inteiro) e, curiosa mas não absurdamente, “Todas as mulheres do mundo”. Ficou lindo. E tem no elenco Letícia Sabatella, Vladimir Brichta, Marco Nanini, Andréa Beltrão, Zé Wilker...eu adorei.

E é de matar quando Caetano começa a cantar “Nosso estranho amor”. Cinema é reconhecimento, não é? Então tá. Não costumo falar de filme assim, tão recente que ainda esteja no cinema, mas esse mereceu. Vão lá correndo descobrir por que.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

"Sem Reservas" e o doce na medida certa

Filmes sobre comida sempre me chamam especial atenção, mais pelo que revelam das pessoas do que pelos pratos em si (claro que é sempre bom). Geralmente, são filmes despretensiosos e que terminam mostrando alguma coisa fofa – mas quem quer que tenha visto “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante”, de Greenaway, há de concordar que toda regra tem suas exceções.

De “Sem Reservas”, filme de 2007 de Scott Hicks (o mesmo de “Shine”), não esperei muito e confesso: o filme superou minhas expectativas. Kate, interpretada por Catherine Zeta-Jones, é chef de um bom restaurante e vive sozinha até ter de cuidar de sua sobrinha Zoe, que é a fofíssima Abigail Breslin, a Olive de “Pequena Miss Sunshine”. Quem aparece na história também é o subchef Nick (Aaron Eckhart). O que é interessante é que o filme começa mesmo depois da tragédia: antes, é mera apresentação de personagens. E o que se espera de cinema é história, desenrolar, conflitos, soluções. Nisso, “Sem Reservas” não deixa faltar nada.

O que surpreende mesmo é a capacidade de ser um filme leve, bonito até. A fotografia é bem feita, os personagens são cativantes e vamos combinar: nem tudo nesta vida precisa ser Godard. A trilha é do Philip Glass, o mesmo que assinou a de “As Horas”, de 2002. Com todos os ingredientes na medida certa (embora sem nenhum exagero de perfeição, já que não tem essa pretensão), “Sem Reservas” é doce sem passar do ponto.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Jean Vigo e o amor

Se Truffaut disse que Jean Vigo fez uma obra-prima em “O Atalante” (1934), quem sou eu para desdizer? Minha estréia em Vigo não podia ser melhor nem com mais timing: entrou fácil para a lista dos favoritos dos que falam sobre o amor (encabeçada, sem sombra de dúvida, por “Um homem, uma mulher”, de Claude Lelouch).

O filme começa numa viagem – dessas de navio, rumo ao desconhecido, como é todo amor – na qual embarcam os recém-casados Jean e Juliette. Os diálogos são lindos:

- Você não sabe que pode ver a pessoa que ama na água? Quando eu era pequena, via essas coisas. No ano passado, vi você e o reconheci na primeira vez que foi à minha casa.

Entre uma e outra noite em Paris, o amor vira dúvida, e Jean e Juliette decidem se distanciar: ela, porque prefere fugir do navio a ter que aceitá-lo; ele, porque seu orgulho o faz recusar-se a procurar por ela. Mas os caminhos sem amor se mostram sempre mais tortuosos do que se espera.

Além da graça típica de um amor vivido em preto-e-branco, quase alheio à importância das outras cores, como um amor que se basta do jeito que é, o filme é poesia. O navio de Jean Vigo é puro final feliz.

domingo, 19 de outubro de 2008

O amor pela comida, o amor e a comida

Muitos filmes falam bem do amor pela comida, mas Politik Kouzina (“O tempero da vida”, no título em português), de 2003, consegue ir além: trata da íntima relação entre o amor e a comida. Mais ainda: o diretor Tassos Boulmetis decide falar de temperos privilegiando a boa fotografia, a que deixa o espectador com vontade de estar lá. Se o cinema tivesse cheiro, certamente o filme seria uma boa oportunidade de sentir canela e noz moscada no ar.

Aqui, o mote principal é a vida do menino Fanis e sua relação de amizade com seu avô, que o ensinou sobre os segredos da boa mesa. A vida de Fanis muda depois de ser deportado para a Grécia com seus pais, e inicia, durante vários anos, uma jornada de volta à Turquia, que promete algumas dores no caminho. A graça é que voltar a si mesmo – nisso o filme não mente – sempre carrega um pouco de abandono em nome do aprendizado.

E há o amor. Por ele, o filme pára um pouco e mostra, em vez de barulhentos jantares com toda a família de Fanis em volta da mesa, uma dança, um pedido, um prato feito com amor. E uma recordação que se deixa para sempre, inabalável até mesmo pelo tempo e pela distância.

“O tempero da vida” termina por fazer alguns carinhos no espectador, seja com tomadas belas ou com a delicada trilha sonora, que se faz perceptível sem que invada ou atrapalhe as cenas. O elenco é bom e seus personagens parecem algum lugar já conhecido, quase como se fosse fácil demais se afeiçoar por cada um deles. O filme aparece dividido em três partes: os antepastos, o prato principal e as sobremesas, contando, assim, a história em início, meio e fim. E o mais curioso de tudo é que não há propriamente um fim, mas um tempero diferente emprestado à mesma vida.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Wong Kar Wai e o "Amor à flor da pele"

Tempo passando em cortes abruptos, Wong Kar Wai brincando de fade in e fade out com luz e escuridão: tem tudo isso em “Amor à flor da pele” (2000). O filme é um tratado sobre descoberta e segredo, desejo e resistência, afirmação e negação. Tantos elementos paradoxais juntos não fazem do filme uma confusão, mas uma realidade que existe na história de todo mundo: como seria se não nos negássemos algumas coisas e aceitássemos outras de bom grado?


No enredo, um certo sr. Chow e uma certa sra. Chan se encontram diante do dilema de terem seus cônjuges tendo um caso. Passam a ser parceiros de madrugadas e escrevem juntos – ele queria escrever, mas não tinha coragem. Com ela, ele escreve-, como se cada pessoa fosse um território inexplorado e estivesse esperando apenas por outra para se desfazer em talentos, alegrias e riso. “Os sentimentos podem crescer de repente”, sr. Chow diz.


O tempo passa rápido, em cortes implacáveis: é preciso correr para viver o amor. É preciso ter pressa para viver no intervalo entre o passado e o futuro: no passado, não se pode tocar; do futuro, não se sabe. Em Wong Kar Wai, o amor que é deixado para depois fica sem ser. Mas não para sempre: quatro anos depois de “Amor à flor da pele”, o diretor volta para o quarto 2046 onde o sr. Chow esteve e filma “2046 – Segredos do Amor”. É como se Kar Wai desse uma segunda chance ao sr. Chow: já que não podia tocar no passado, que se entendesse então com o futuro.


E há a árvore dos segredos em “Amor à flor da pele”. Quem tem um segredo, abre um buraco numa árvore, conta e depois cobre com lama. O amor está exatamente no que não é dito, no que parece ridículo ou absurdo demais para ser pronunciado. Por isso, tantos silêncios acompanham o filme: a trilha toca alto para deixar os amantes entregues somente a si mesmos. O amor em Wong Kar Wai é assim: sutil, delicado, sem arroubos românticos nem beijos molhados. É delicado – como seus personagens – e, de repente, o filme fica sem precisar de um final feliz: não são todos os amores felizes enquanto há amor?



segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Sobre heroínas de Jane Austen e afins

Para Quito, que sempre apostou em mim como heroína de Jane Austen



Depois de assistir a “A Casa do Lago”, que comentei há uns posts atrás, li “Persuasão”, de Jane Austen, livro ao qual os personagens do filme se referem. O livro é o que atravessa a barreira temporal imposta ao amor de Kate e Alex. Outros obstáculos permeiam a história do capitão Wentworth e de Anne Elliot no livro: para não incorrer em fuga ao tema, Jane Austen cria novamente o empecilho da distinção de classes sociais. Embora tenha certeza de que a decisão vá deixá-la infeliz, Anne prefere renunciar ao amor a ir contra o que dizem as pessoas que lhe importam.



Bem menos lindo e bem menos impactante que “Orgulho e preconceito”, nem por isto “Persuasão” deixa de ser bom. Aliás, é bom porque é Jane Austen, e, dessa vez, a autora mostra uma mulher que não é altiva por natureza, mas que aprende a decidir por conta própria. E embora o final feliz da história seja bastante previsível (e por que os finais não devem ser felizes?), de repente não há absolutamente nada de errado com isso.



Gosto sempre da complexidade que Jane imprime em seus personagens principais: em meio a vários ordinários, surgem sempre os dois, confusos e com um turbilhão de sentimentos que evitam e fogem tanto que no fim desistem de fugir. E o livro todo podia se resumir nisso aqui:



"Your countenance perfectly informs me that you were in company last night with the person whom you think the most agreeable in the world, the person who interests you at this present time more than all the rest of the world put together".



Alguém criou um quiz em que dá para descobrir que heroína de Jane Austen você é. Embora eu ame Elizabeth Bennet (de “Orgulho e Preconceito”), tive de aceitar ser Anne Elliot.

Which Jane Austen heroine are you?

You scored as a Anne Elliot

You're Anne Elliot from Persuasion! You are adept at music and foreign language. You're quite reserved, and trust the guidance of your friends and relatives, but you also believe in following your heart.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

“Paris, Texas”: o estrangeiro de Wim Wenders

Um filme influenciado pela estética do pintor Edward Hopper não pode ser ruim. Autor do famoso “Nighthawks”, Hopper pintava os solitários: a mulher que acorda sozinha, os insones, o casal que senta junto no bar de madrugada, mas cujos cotovelos não se tocam. Foi inspirado na solidão habitual de alguns que Wim Wenders criou “Paris, Texas”.



Logo nas primeiras cenas do filme de 1984, o personagem se apresenta: Travis anda pelo deserto sem destino. Não há como não associá-lo à obra imortal de Albert Camus, “O Estrangeiro”. O livro de Camus é puro vazio existencial: exatamente como acontece em “Paris, Texas”: Travis tenta se preencher de todas as formas em sua reaproximação da vida convencional. Uma delas é descobrir como parecer um pai, quando é questionado se prefere parecer com um pai rico ou pobre. Rico, ele responde, como se pudesse comprar com isto o direito de parecer um pai.



A inexistência de emoções aparece tanto no filme de Wim Wenders como no livro de Camus: cada um à sua maneira, mas igualmente inadequados, os personagens vivem numa espécie de torpor. Tanto Mersault – de Camus – quanto Travis são indiferentes ao que o destino lhes reserva. O final de Wim Wenders, entretanto, se mostra mais beatnik que o de Camus: não lhe restando mais nada a fazer e tendo cumprido exatamente o que pretendia, Travis se entrega à sorte que lhe é inerente. A falta de perspectiva é que determina o destino do personagem, que, apesar disto, cativa o espectador.



Como se não bastasse tanto, o roteiro é assinado por Sam Shepard. Também ele empresta a alma beat de seus escritos para o filme, que é baseado num livro seu. Embora haja tanta solidão em “Paris, Texas”, o espectador é conquistado desde a primeira cena, o que faz com que não se revolte contra Travis no final. Um filme delicado sobre a não menos delicada natureza humana.


quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A Casa do Lago e a carta do enforcado

As cartas não mentem nunca: nem as ridículas de Fernando Pessoa nem as de tarô. Faz tempo que a carta do enforcado aparece no meio do destino: é preciso um pouco de sacrifício, deixar ir embora o que precisa ir e aceitar o novo. Dar um passo adiante. Em menos de uma semana, “A Casa do Lago” e a carta do enforcado ali, pela milésima vez.



Do filme: as pessoas quase não pensam mais em trocar cartas porque não sabem mais esperar pela resposta do outro. Perguntam quase sem querer ouvir. Então, Sandra Bullock e Keanu Reeves começam a se corresponder; ele em 2004, ela em 2006. A diferença no tempo não importa tanto, o que me lembra um fragmento de Artur da Távola: “Não me refiro ao olhar apaixonado. Falo de algo além, o olhar que paralisa o outro. Que se apavora de adivinhar-se possivelmente feliz e se descobre em profundidade e espanto no poço do outro, no fundo do qual mora uma certeza nunca antes confirmada”. É o que Kate e Alex vivem: encontram sem procurar algo que esperavam para que a vida fosse mais feliz. O final nem importa tanto – afinal, não são os inícios e os meios o que a gente guarda do que é bom?



A fotografia é bonita, a trilha sonora vale a pena, e o filme é um água-com-açúcar mais sutil do que os que andam por aí, daí sua beleza. Vale também pelas referências que traz, como o livro “Persuasão”, de Jane Austen, que serve de elo entre os personagens. E a carta do enforcado entra aí: em “Persuasão”, não se fala de espera, como se diz no filme, mas de fuga: de como é mais difícil aceitar o que é bom do que se resignar com o que é medíocre ou ruim. Ou de como os amores menores nos doem menos.



Mas o filme vale a pena. É como meu avô dizia, depois de assistir a “Before sunset”: “É um tapa na cara”. O resto, ficou a cargo da carta do enforcado. E de um poema de Clarice Lispector que lembro:


Mas há a vida

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.


quarta-feira, 30 de julho de 2008

O lobo não tão mau e a chapeuzinho não tão mocinha assim

Ainda cabe no mundo tanto dualismo? A pergunta fica no ar depois de assistir a “A companhia dos lobos” (1984), de Neil Jordan. Mas cabe: até mesmo porque cada coisa tem seu oposto no lado de dentro.



O filme tem a indiscutível cara dos anos 80, mas talvez seja menos Sessão da Tarde que “Te pego lá fora” ou “Curtindo a vida adoidado”. Porque desde as primeiras cenas, a atmosfera é indiscutivelmente onírica, com uma trilha musical de suspense que acompanha quase todas as seqüências. As lentes da câmera são envoltas por uma bruma característica de sonho, e os lobos, que, na minha opinião, são os grandes protagonistas do filme, continuam se constituindo num grande mistério.



Mas há a destemida adolescente que, movida pelo impulso próprio das descobertas, vai ao encontro do lobo. Até procura por ele, mesmo sabendo que precisa dele fugir, depois de tantas estórias contadas por sua avó. O terno e protetor amor do rapaz de sua idade não lhe interessa tanto. É o encanto que só o desconhecido tem que fascina, e é ao encontro dele que ela vai. Ignora todos os avisos e nos apresenta uma mocinha não tão inocente: a que assume o risco e vai adiante.



Os diálogos e jogos de palavras são o que há de mais interessante sobre o filme. Numa aposta com o desconhecido para ver quem chega primeiro à casa de sua avó, a menina dá como garantia o desejo de seu coração. Ele, em contrapartida, oferece sua bússola. Um tanto desigual. A aposta termina exatamente numa releitura contemporânea (dos anos 80, mas vamos lá) da história da Chapeuzinho Vermelho, mas nas diferenças é que se encontram as melhores partes do filme. Ao encontrar e machucar o lobo que a queria devorar, a menina corre em sua direção e o abraça: “Perdão. Não sabia que lobo chorava”, diz. Mas choram sim, na ficção e mais (muito mais) na realidade.



No final do filme, uma frase resume tudo o que ele passou: “A língua mais doce tem os dentes mais afiados”. Para quem gosta de tempestade em vez de calmaria, todo cuidado é pouco.


sexta-feira, 25 de julho de 2008

V de Vingança, A de todo o resto

O cinema deve sempre estar à serviço das não-coincidências que a gente não costuma perceber. Ainda não entendi por que essa coisa de gente mascarada nos filmes sempre me derrete o coração. Daí que V de Vingança(2006) podia ser um filme violento, cheio de vingança e sangue, mas não: é um filme de amor. Não seria um Fantasma da Ópera modernoso?



O fato é que eu sou público-alvo do povo que segue à risca a narrativa de Griffith. Eu gosto do linear. Não torço o nariz pros clichês e, sendo assim, V de Vingança não fica devendo nada a ninguém: a fotografia é bonita, toca Cry me a river na versão de Julie London duas vezes (e em dois momentos ótimos), isso tudo sem falar em V que é tão cheio de complexidades e, no fundo, tão simples. Vai ver que eu ando mesmo sentimental.



Natalie Portman, mais uma vez, dá um show. A história futurista funciona sem ser fantasiosa demais, o roteiro é interessante e o filme prende a atenção. Tem também a vantagem de ser “adaptação” dos quadrinhos, o que é uma coisa que gosto bastante. Alguns questionamentos que podem ser feitos e ficam sem uma resposta convincente são: por que o governo deixou de caçar Evey depois que ela sai pela segunda vez da casa de V? Para onde ela vai, se a casa dela estava sendo vigiada pelo governo? Onde ela arranja os documentos falsos e com quem?



No fim, isso nem importa tanto: é mesmo bonitinha a história dela com V. Isso sem falar na metalinguagem ótima estabelecida com O conde de Monte Cristo, outro filme igualmente genial dentro da mesma temática. E ainda tem uma comparação entre V e Edmond Dantes (protagonista do segundo filme) que vale muito. O texto original é de Alan Moore (!), a adaptação é dos irmãos Andy e Larry Wachowski (os mesmos de Matrix – as cenas de luta em slow motion não me deixam mentir) e a direção é de James McTeigue.


domingo, 20 de julho de 2008

Peixe grande e a história de todo (ou quase todo) mundo

De uma forma ou de outra, Anaïs Nin deve ter inspirado Daniel Wallace quando ele pensou em escrever “Peixe grande”. Anaïs sempre preferia intensidade à vida morna e, de alguma forma, é isso que o livro diz. Histórias fantásticas e segredos que ficam guardados simplesmente porque são as coisas mais óbvias as mais difíceis de serem ditas.

Hesitei bastante em começar a ler o livrinho, que ficou por um tempo tomando poeira até que eu tivesse coragem. Depois que vi o filme e o achei bastante doloroso, embora bem bonitinho, fiquei entre a curiosidade e o medo do que o livro faria. Eis que um dia, ao escolher o livro que iria comigo ao Rio de Janeiro, escolhi “Peixe grande”. Não me arrependi.

O que Tim Burton fez ao transpor o livro para as telas é exatamente o que se espera quando se lê o livro: cores fortes, alegria até mesmo nas horas tristes. Nada tão estourado como Almodóvar: apenas colorido o suficiente para ficar da cor do sonho da gente. A história não tem grandes complexidades: um pai vive de um jeito mágico no qual o filho insiste em não acreditar. Não foi Tolstoi quem disse que há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira?


A parte mais linda coincide no filme e no livro: quando o tempo pára na hora em que o amor aparece na história. Todas as coisas ficam igualmente suspensas e dotadas de uma mágica desconhecida até então. Tanta fantasia no livro esconde apenas o que ele revela de real: como a gente foge do que parece bom demais para ser verdade. Será que o muito bom é assim mesmo, tão insuportável? E fiquei com saudade quando o livro terminou.


sexta-feira, 13 de junho de 2008

Sex and the City e o Jogo do Contente

Para Fau, Gabi e Má

Fui uma daquelas pessoas resistentes a Sex and The City. Comecei a assistir quando as temporadas foram lançadas em DVD. Resumindo: não sou especialista, mas adoro. E não é por causa das grifes, da vida glamourosa, de como New York é legal na visão da série. Nem por causa da busca por um amor – isso tem em todo lugar, eu acho. Meu encanto é porque é uma série que fala da amizade, e é ao redor dela que tudo gira: como seria chato não dividir nada com ninguém.

Coincidentemente ou não, fui ao cinema com três amigas. Combinamos horário, roupas bem fashion (até brinquei: fiz o primeiro cosplay de minha vida ali. Era isso ou aparecer de Trinity em Matrix. Achei melhor isso). Marcamos para comemorar juntas a estréia do filme com um brinde de cosmopolitan. Felizes, rindo na fila quilométrica de espera, entramos.

O que nos esperava na tela é um filme comum, com histórias comuns. Mas ali, nas poltronas, quatro histórias que convergiram num determinado momento. Na tela, a mesma coisa: pro batizado, pro casamento, pra hora de escolher o que fica e o que vai embora do guarda-roupa, pra tomar conta uma da outra. Amigo que é amigo serve pra isso e muito mais. Ok, esse texto está piegas. Mas é tudo verdade. Melhor que mentir.

Resumindo bastante: Sex and The City é um filme bobo, sem novidade alguma, meio engraçado e meio triste, daqueles com os finais felizes de sempre (terá alguém imaginado que ia ser diferente disso ao comprar o ingresso?). Foi como Gabi, minha amiga, disse sabiamente, antes do filme começar: “Não é pra ser bom. É só pra saber como as meninas estão.” Estão bem, mas do mesmo jeito de sempre. E é isso. O mais importante é o que o filme te lembra – aqui vai meu lado Pollyanna cinematográfica, com o mais puro jogo do contente: importa mais com quem você está do que o que acontece com você.

sábado, 10 de maio de 2008

O Desprezo, de Godard

Eu adoro filmes metalingüísticos. Adoro cinema falando de cinema, acho fantástico. Então, dá pra incluir na minha lista de melhores “8 e ½”, de Fellini, “A Rosa Púrpura do Cairo”, de Woody Allen. Mas se tratando da nouvelle vague, o movimento do cinema autoral da França nos anos 1960, então, a coisa só fica melhor.

“O Desprezo” (1963), de Godard, é um daqueles filmes que te deixam em meio a uma confusão quando terminam. Exatamente como “Acossado” (1959), do mesmo diretor: personagens que não são bons nem ruins, metáforas. Falando nelas, “O Desprezo” (em seu título original, “Le Mèpris”) é caprichoso na montagem e praticamente filho de Eisenstein nesse sentido: a sobreposição das cenas nem sempre é feita ao acaso: existe uma relação de continuidade que ajuda a construir o sentido do que se pretende dizer.

Nisso, é claro, não se pode desconsiderar o fato de que a nouvelle vague francesa nasceu de jovens críticos de cinema, que haviam assistido aos clássicos e que se dedicavam, através do Cahiers du Cinema, a propor uma destruição do cinema francês tradicional que imperava na época. Queriam construir um cinema de autor – e deu certo. O público jovem gostou e os distribuidores decidiram investir na nouvelle vague. Essa proeza, pelo que me consta, ninguém tinha conseguido antes – e ninguém fez depois.

O filme fala dos bastidores da feitura de um filme e é bastante irônico com a indústria do cinema e com o papel dos produtores. Eles filmam “A Odisséia”, e Fritz Lang ( o próprio, como ele mesmo) lembra que a batalha de Ulisses, herói da história, é contra os deuses. O produtor do filme, por sua vez, diz que gosta dos deuses por saber como eles se sentem. Outras muitas referências estão no filme, como a frase de Louis Lumière que diz que o cinema é uma invenção sem futuro (“il cinema è un´invenzione senza avenire”). Godard também abandona os letreiros e ele mesmo narra os créditos do filme. Em meio a tudo isto, há um casal em crise. Brigitte Bardot e Michel Piccoli. Mas isso, definitivamente, não é o mais importante.


Com “O Desprezo”, Godard mostra como é possível fazer um filme de fato muito bom sem dar tanta atenção aos aspectos lineares da narração. Ele mesmo despreza o cinema antigo para construir um novo – e como esse novo é bom!



quinta-feira, 10 de abril de 2008

Valsinha, de Chico Buarque...se fosse filme

Para mim, a música combina com o filme quando ela insiste em ser lembrada enquanto a trilha oficial toca. Assistindo “Aurora” (1927), de F. W. Murnau, fiquei desejando que já houvesse Chico Buarque na década de 1920, só para as imagens serem acompanhadas por “Valsinha”.

“Um dia, ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar...”. Se há amor no mundo, deve ser mesmo assim, capaz de fazer enxergar coisas encantadas onde sempre se olhou e não se viu nada. Capaz de tornar o ordinário em especial. E “Aurora” é assim: uma história de amor simples que podia ser como as outras, filmadas antes e depois, mas não. A diferença está exatamente em não ter sentimentos lineares: o personagem se permite mudar de idéia. E é nesse estar aberto ao novo (ou melhor, a um novo olhar sobre o velho) é que o filme se torna incrível.

O personagem central, depois de pressionado pela amante a afogar a esposa, desiste. Aí é que a trama toda se desenrola, e ele redescobre o amor. Um enredo simples, em que o tormento do personagem só termina quando as coisas voltam a ser exatamente como eram no começo. Só que ele e a esposa se tornaram encantados.

Não bastasse a ternura que só um romance mudo pode trazer ao cinema, o nome do filme (em inglês, “Sunrise – a song of two humans”) diz muito do que ele mostra. Eu diria que nunca o expressionismo alemão foi tão doce.

Então “Aurora” é isso: esperar até que o dia amanheça e as coisas voltem ao seu lugar, sempre melhores que antes. E no fim, não seria exagerado (mas talvez redundante, assumo) se tocasse o fim de “Valsinha”: “(...) E o mundo compreendeu/ E o dia amanheceu/Em paz”.


domingo, 30 de março de 2008

Como amar uma cidade

As cidades são encantadas. São tantos tipos de pessoas juntas que parece impossível que elas caibam todas no mesmo lugar, ao mesmo tempo. E enquanto você anda, elas te olham, te abordam, falam amenidades ou simplesmente te conquistam. Comecei amando esta cidade onde estou depois de ouvir o sotaque local. Amei a simplicidade, amei os costumes, todos com um jeito de quem parece aristocrata. Até mesmo os camponeses aqui são de natureza altiva, têm um certo nariz empinado.

E há os caminhos. Os lugares por onde você passa que sempre te lembra outros em que você já esteve antes – o porto de sua cidade de origem, seu restaurante preferido, aquela cidade do interior bem feinha, mas que a viagem foi tão boa que você nunca esqueceu. Vai tudo, aos pouquinhos, ficando bem querido ao coração. E então você começa a se tornar parte daquilo tudo.

Para escrever sobre esta nova cidade, onde você encontrou amigos que já são amigos de seus amigos, é preciso que você se recorde de quanto tempo passou escolhendo o livro da viagem – aquele que te acompanhará nas horas de tédio. E pensar que você, entre Fante e Barthes, terminou escolhendo um terceiro: Flaubert. Nem tão romântico nem tão sem-perspectiva.

Sempre há as pessoas. A senhora que te deu a mão para que você conseguisse sentar em sua poltrona depois de o filme ter começado, o guarda que te deu bom dia, a moça que passou em frente à escultura e disse, à toa: “O artista mora ali naquela casa branca”. Os carinhos que a gente encontra mesmo sem dizer o que está procurando. Estou apaixonada. E desta vez, por uma cidade.

sexta-feira, 14 de março de 2008

"O Passageiro: profissão repórter" ou o inferno é ser o outro

Michelangelo Antonioni sempre se revelou num grande mistério para mim: consigo enxergar claramente sua importância, mas meu coração clama por coisas mais lineares que ele. Por isso, e só por isso, ele não tem meu amor. Mas tem minha admiração, porque há, em seus filmes, traços óbvios de um indiscutível gênio.

Ao assistir “O passageiro – profissão repórter”, de 1975, mais uma vez essa dúvida me assaltou. Tem Maria Schneider, que era das atrizes preferidas de meu avô, contracenando com um Jack Nicholson mais tipão do que se vê por aí (e que, aliás, se aproximou bastante do que eu vi em “O destino bate à porta”, que é outra história). A câmera do filme de Antonioni tem vida própria, posso dizer sem medo. E faz algo que eu considero lindo no cinema (quando bem feito, claro): a câmera se fixa, o personagem sai e ela continua ali, no cenário. Exatamente como a vida. Outro dia, vi isso muito bom em “A vida sem mim”, na cena do ponto de ônibus, é de cortar o coração. Funciona mesmo.

As voltas ao passado são feitas de um jeito particularmente interessante: as vozes em off, repentinamente. A distância entre o passado e o presente é a de um travelling na câmera. Mas o melhor de tudo do filme – além de tanta coisa boa – é o que ele diz. Niilismo puro, não há bom lugar para quem está fugindo de si mesmo. E que pior mesmo que o outro é ser o outro.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

“Hora de voltar”...ou melhor, de ficar

Se os filmes que habitam nossa estante podem nos surpreender, então assumo aqui que o DVD de “Hora de voltar” não poderia mesmo ficar mais um minuto empoeirando. Se você tem perguntas, pode se preparar: “Hora de voltar” vai te dar algumas respostas.

O filme mostra Andrew Largeman, interpretado por Zach Braff, numa vida vazia e sem muito sentimento. Até que sua mãe morre e ele volta para casa para assistir o velório. “Hora de voltar” fez parte da seleção oficial do Sundance Film Festival, do Los Angeles Film Festival e do U.S. Comedy Arts Festival.

O mais interessante é que a mudança de Andrew, diferente dos filmes que andam por aí, não se dá numa surpreendente volta de uma vez só. Começa aos poucos – um pouquinho aqui, mais ali – exatamente como fazemos as nossas, do outro lado da tela. Alguém algum dia disse, nesses textos de e-mail auto-ajuda, que a gente precisa enlouquecer um pouquinho para que a vida valha a pena. É o que o filme propõe, com a chegada de Sam, interpretada por Natalie Portman.

O melhor é que a proposta de loucura do filme vem com uma das trilhas sonoras mais incríveis: tem Coldplay, The Shins (!!!) e mais um sem-número de canções que se ajustam direitinho ao momento que Andrew está vivendo. E falando em Andrew, foi o próprio Zach Braff que escreveu e dirigiu o filme.

“Hora de voltar” parece aquele ditado popular de “Onde está seu tesouro, estará seu coração”. Talvez o recado do filme – se é que ele precisa ter um – é que mais importante que a hora em que se decide voltar é a hora em que se escolhe ficar.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O homem que desafiou o diabo, mas não a vontade

Confesso que é mais vontade de escrever do que indicar um filme verdadeiramente bom. Confissão feita, posso prosseguir. Nunca gostei muito desses filmes ou livros regionalistas. Sou avessa às histórias do sertão – nunca soube direito por que – e só mesmo José Lins do Rego foi capaz de me fazer abrir uma exceção.

Tá. O filme conta a história de José Araújo, louco por mulher e que se mete em qualquer confusão e sai dela sempre ileso, exceto quando se bate com o diabo. É quando ele enfim conhece a dor da perda, mas nem o diabo é capaz de abatê-lo: levanta, dá um jeito e pronto, vai seguir seu caminho.

O filme é um daqueles investimentos para fazer as pessoas darem risada sem pensar muito sobre as coisas. Nesse sentido, funciona e muito: você ri. Para mim que gosto de procurar significados ocultos em tudo, o filme termina com uma constatação no mínimo interessante: é quando José Araújo (ou Ojuara, como ele vira mais tarde) decide prosseguir. Porque não tem prisão para quem tem o espírito livre e a alma perdida. A história do filme, então, é a de um homem capaz até de desafiar o diabo, mas não sua vontade. E eu ainda não sei se isso é bom ou ruim.