domingo, 9 de janeiro de 2011

"Poema em quadrinhos" e Orfeu e Eurídice

Muita gente (eu, inclusive) gosta de um jeito especial da história de Orfeu e Eurídice. Do herói que vai, acompanhado de sua lira, buscar a amada no inferno. É esse o ponto de partida de Dino Buzzati no livro “Poema em quadrinhos”. A grande graça é que ele não mascara as referências – coisa que algum autor mais sem noção poderia ter feito – e as assume logo de cara, com o nome dos protagonistas: Orfi e Eura. O instrumento musical ele também trocou: em vez de uma lira, um violão. A ousadia do personagem principal, entretanto, é a mesma diante do universo desconhecido que se apresenta. Orfi e Orfeu têm isso em comum: a ausência do medo de ir além.

Embora Buzzati tenha morrido em 1972 com a inquietação de que queria mesmo era ser artista plástico, também como poeta ele é genial. O livro apresenta versos, que, junto com as imagens, constroem significações como “Cada um traz consigo o seu próprio mundo/ É aquilo que lhes basta, imagino”. As mulheres são lânguidas e poderosas. Desfilam nuas pelo caminho de Orfi, e a ele são oferecidas ao longo de sua jornada. Têm no olhar o mesmo jeito desafiador de algumas mulheres dos quadrinhos do também italiano Milo Manara (de “Kama Sutra” e da série “Clic”).

A história de Orfeu e Eurídice certamente não é novidade para a maioria das pessoas, principalmente por já ter servido de base para tantas coisas, da peça de Vinícius de Moraes, “Orfeu da Conceição”, ao filme “Orfeu” de Cacá Diegues. Talvez seja exatamente isso que confira o grande mérito ao livro: “Poema em quadrinhos” assume a difícil tarefa de reinventar com maestria a história de Orfeu e Eurídice, e ainda a ilustra com imagens incríveis, que por vezes se expressam em ruas escuras e vazias, e num desenho sombrio para revelar o grande - e destemido - mergulho do personagem.



“Poema em quadrinhos” / Dino Buzzati / 220 páginas / Cosac Naïfy / R$ 42