quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Lisbela.

“A graça não é saber o que acontece. É saber como acontece. Quando acontece.” Com uma frase dessas, não tinha como o filme ser ruim. E eu decidi revisitá-lo tanto tempo depois só porque “Lisbela e o prisioneiro” (2003) não pode passar em branco.

Com sotaques graciosos e cenários bem coloridos, típicos dos filmes de Guel Arraes,”Lisbela e o prisioneiro” tem tudo de bom. A trilha sonora é perfeita, e vai de Elza Soares cantando “Espumas ao vento” até Los Hermanos na indefectível canção “Lisbela” (“Eu quero a sina de um artista de cinema/ eu quero a cena onde eu possa brilhar / um brilho intenso, um desejo, eu quero um beijo/ um beijo imenso onde eu possa me afogar”). A fotografia. O elenco. Análises à parte, o que o filme tem de melhor mesmo é esperança.

Lisbela aceita mudar todos os planos – casamento marcado, noivo direitinho – pela novidade: Leléu, um sem-pouso. E por que não? Se não é na vida que pode tudo, onde mais vai poder? Então Guel Arraes faz do jeitinho que todo mundo espera do outro lado da tela, sem ter nada de errado nisso. Deixa o espectador satisfeito. Todo mundo vai pra casa feliz e esperançoso de que, um dia, como fez Woody Allen em “A rosa púrpura do Cairo”, a fantasia pule da tela e mude a realidade.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

“Melinda e Melinda” e o jeito de ver

Tudo é questão de perspectiva. Woody Allen leva a afirmação a sério (na verdade, a sério e a bem-humorado) em “Melinda e Melinda” ( 2005). Uma mulher aparece de surpresa em meio a um jantar: esse é o mote para que dois escritores criem histórias distintas, uma tragédia e uma comédia.

Sendo assim, Melinda está presente nas duas histórias, assim como os mesmos cenários e personagens. Tudo dividido desde o início do filme que, na verdade, são três: a conversa agradável dos escritores sobre como cada um construiria sua história, a tragédia da Melinda problemática e a comédia da Melinda encantadoramente desleixada.

É claro que não falta aquele clima que só Woody Allen sabe criar, com contornos cômicos que fazem lembrar “Todos dizem eu te amo” (1996) e trágicos que remetem a “Interiores” (1978). Em “Melinda e Melinda”, estão presentes também as agradáveis e habituais trilhas sonoras, além de atores como Will Ferrel e Chloë Sevigny.

A graça mesmo, além da maestria de Allen na metalinguagem, está na capacidade de transformação da mesma história em comédia ou drama, dependendo apenas da escolha de quem vê. E a vida não é assim mesmo, afinal?



sexta-feira, 16 de outubro de 2009

uma alegria

O título do filme da vez é: segundo lugar no concurso de crítica da Walter da Silveira.

Confiram:

http://www.dimas.ba.gov.br/critica2009/lista_de_premiados.htm

se clicar nos links, dá pra ler as críticas premiadas.

adorei!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

“Meu tio” e a grande alegria das coisas simples

Eis um filme que merece dias de sol por ser pura leveza: “Meu tio”, de Jacques Tati. A presença de Monsieur Hulot – interpretado pelo próprio Tati - é a única coisa capaz de encantar os dias cheios de regras do sobrinho pequeno. Na casa onde vivem o menino, a irmã e o cunhado de Hulot, tudo é automático, futurista e perfeitamente disciplinado. Mas há ali também o desalinho da infância, o anseio pela descoberta do novo, que se encontra distante – e bem distante: a simplicidade, o carinho, o não-dito.

O tio do menino vive numa casa bagunçada, não tem mulher e nem trabalho. Na casa do menino, o assoalho está sempre limpo, e vez por outra, seus pais recebem os amigos para mostrar a mais nova descoberta da tecnologia, que sempre chega por lá. E é quando Hulot vai para a casa da irmã que o caos invade a ordem, mas traz consigo a alegria de viver que só os leves têm. Então “Meu tio” vale pela lição, pela crítica à automação do fim dos anos 50 (o filme é de 1958, mais precisamente) e pelos 110 minutos que passam rápido como só os melhores filmes conseguem fazer. Bom demais.

Não à toa, o filme, que parece simples e na verdade, é mesmo, arrebatou Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e o prêmio especial do júri em Cannes. Apesar disso, o mérito está na fotografia impecável e na história incrível que se constrói do que existe na vida de todo mundo: presenças encantadas. Verossimilhanças à parte, Tati recria o mundo com maestria.



terça-feira, 21 de julho de 2009

A excêntrica família de Antonia e o pouco de cada um de nós

Como uma vida em que se vê de tudo (ou quase), “A excêntrica família de Antonia”, filme de 1995 de Marleen Gorris, traz um pouco de cada coisa que se vê por aí misturado com o que se pode imaginar. A trama gira em torno da vida e da morte de Antonia, que vive numa estrutura extremamente feminina de campos férteis e mulheres esperançosas.

Mais do que o que se pode descrever, o filme traz o retrato da vida de alguém – coisa que parece simples, mas não é. “A excêntrica família de Antonia” mostra sutilezas da vida através de personagens intrigantes: a neta com inteligência acima do comum, a Madona que uiva todas as noites de lua cheia, o cético Dedo Torto, que vive rodeado de livros de Nietzsche e Schopenhauer. Todos eles e mais uma infinidade de outros igualmente interessantes vivem ao redor da agregadora matriarca Antonia, que a todos conduz com determinação e tranqüilidade.

O grande desafio do filme, que ganhou Oscar de melhor filme estrangeiro em 1996, é tornar o expectador parte da grande família de Antonia, fazendo parte de seus dramas e celebrando as alegrias com os personagens. Poucos filmes o fazem tão bem. Na literatura, é possível encontrar uma sósia de Antonia na personagem Penélope Keeling, de “Os catadores de conchas”, de Rosamunde Pilcher. É tão encantadora quanto, então vale a pena.

Apesar de contar histórias por vezes dramáticas, o filme passa longe do sentimentalismo que enjoa. Para Antonia e sua excêntrica família – consangüínea ou não -, o que importa mesmo é deixar a vida passar aos poucos, bem devagarinho, bem curtida. As dores, se vierem, se vão. A alegria é o que se guarda até o final. Tudo muito natural.

domingo, 15 de março de 2009

“Sim, Senhor” e o poder da comédia despretensiosa

“Sim é o novo não”. Com essa frase, os seguidores de um guru de auto-ajuda pretendem mudar suas próprias vidas. “Sim, Senhor”, que está em cartaz nos cinemas, e que tem como protagonista Jim Carrey, segue a tendência mundial proposta pelos livros de auto-ajuda: a atitude positiva.

Dizer sim indiscriminadamente é o desafio ao qual se propõe o amargurado Carl Allen, depois de recusar todas as oportunidades que surgem em seu caminho. Ele podia simplesmente ter lido “O Segredo” e ter mudado de vida – como fez Oprah Winfrey; podia ter assistido a “Guerra dos Mundos” e ter pensado que o apocalipse estava próximo. Preferiu ir a contragosto à uma reunião e fazer o que todo mundo termina fazendo em meio mundo de lugar por aí: esperar por uma solução simples (pelo menos à primeira vista, obviamente): dizer sim.

O filme não tem nenhum exagero de atuação: nada, nada, nada demais. A graça está na esperança que eu tenho em Jim Carrey (que só me conquistou depois de “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”) e na possibilidade que os filmes mais abobados têm de fazer pensar em alguma coisa. Mesmo que essa coisa seja bastante óbvia como dizer sim ao que a vida traz.

domingo, 18 de janeiro de 2009

"Titãs - a vida até parece uma festa"

O tempo às vezes passa rápido. É esse o espírito de “Titãs – a vida até parece uma festa”, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves. Durante anos, câmeras registraram flashes do cotidiano dos Titãs: as viagens, as famílias, a hora de resgatar a mala na esteira do aeroporto, as primeiras versões das músicas, tudo. Entre uma gracinha e outra dos integrantes, coreografias e figurinos cômicos no início da carreira. É como se a gente estivesse olhando um álbum de fotografias de 15, 20 anos atrás – e de fato está.

Mais do que um trabalho de mostrar a trajetória da banda, eu acho, está a importância de construir uma memória de um tempo bom. Nessa hora, importa menos que seja uma banda famosa no país e mais que todo mundo tem uma boa história pra contar. Claro que nem sempre se tem palcos grandes, iluminação e cenário ideais. Mas sempre dá pra viver uma boa história. E se não for boa na hora – o filme também dá essa receita -, pode esperar: depois (olhada assim, em retrospectiva), há de ficar.

A edição do filme fica ainda melhor porque combina as imagens de arquivo – algumas inclusive com o charme de serem tremidas, com cara mesmo de quem está em casa e pega a câmera num impulso – com uma trilha sonora es-pe-ta-cu-lar. Pra quem é fã, certamente vai ficar faltando alguma música (a faixa três daquele álbum ou a cinco daquele), mas a seleção é das boas: tem “Sonífera Ilha”, “Flores”, “Bichos escrotos”, “Epitáfio” e por aí vai. Só pra deixar o gostinho.

Vários rostos conhecidos, como não podiam faltar: tem Jorge Mautner, Paula Toller, Herbert Vianna, Roberto Carlos, Chacrinha, Hebe, Raul Gil e até Jânio Quadros. Dá até pra aprender a cozinhar com os Titãs, embora a receita não seja assim, tão confiável (quem assistiu, sabe do que estou falando). Mas sempre tem quem se aventure.

Pra quem estiver em Salvador, o filme pré-estréia na terça-feira (20), às 20h45, na SALA DE ARTE – CINEMA DA UFBA. O filme faz parte da 1ª Mostra Cine Brasil de Salvador, que acontece até o próximo dia 22. A sessão ainda tem bate-papo com a equipe de produção (Branco e Oscar inclusive).


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Um beijo roubado (e esperado)

A vida dá voltas, as pessoas dizem. E foi para provar isso que Wong Kar Wai fez o incrível “Um beijo roubado” (2007). Embora haja outros filmes dele com ritmos mais lentos e mais característicos de seu cinema, “My blueberry nights” (título original em inglês) me conquistou até não poder mais.

“Um beijo roubado” é um filme doce, sutil, e que se constrói de esperas (a temática que Kar-Wai nunca deixa escapar). Jeremy (Jude Law) e Elizabeth (Norah Jones) se encontram numa madrugada e vão se conhecendo através de conversas sobre chaves que as pessoas deixam em bares e histórias de despedidas. E uma curiosidade de Elizabeth de experimentar a torta que sempre sobra no balcão, a blueberry pie.

Mas o tempo não pára dentro do filme: viagens, cartas sem endereço de remetente, novas pessoas, novos cenários, tudo acontece. Só que há ainda aquela vontade de jogar o passado distante ao largo para que seja possível olhar para trás de novo e resgatar o que se deixou há pouco tempo. E vivê-lo. Talvez aí esteja a grande sacada do filme (mas é que eu ando suspeita para falar disso ultimamente): fechar todas as portas do passado para terminar de abrir a que se deixou entreaberta.

A trilha é incrível, as cores do filme são espetaculares e há uma graça extra pelo filme se passar em grande parte nas madrugadas. É quando se encontram todos os que andam vagando por aí: marginais, problemáticos, gente sem razão ou que simplesmente precisa se encontrar. É um caminho torto de encontro, mas ainda assim um encontro. Então vale.

Tem ainda Natalie Portman e Rachel Weisz no meio da história toda, mas sinceramente eu não tive olhos para mais ninguém além de Jeremy, Elizabeth e da história toda que se constrói quando menos se espera, e da espera. É lindo.