quarta-feira, 30 de julho de 2008

O lobo não tão mau e a chapeuzinho não tão mocinha assim

Ainda cabe no mundo tanto dualismo? A pergunta fica no ar depois de assistir a “A companhia dos lobos” (1984), de Neil Jordan. Mas cabe: até mesmo porque cada coisa tem seu oposto no lado de dentro.



O filme tem a indiscutível cara dos anos 80, mas talvez seja menos Sessão da Tarde que “Te pego lá fora” ou “Curtindo a vida adoidado”. Porque desde as primeiras cenas, a atmosfera é indiscutivelmente onírica, com uma trilha musical de suspense que acompanha quase todas as seqüências. As lentes da câmera são envoltas por uma bruma característica de sonho, e os lobos, que, na minha opinião, são os grandes protagonistas do filme, continuam se constituindo num grande mistério.



Mas há a destemida adolescente que, movida pelo impulso próprio das descobertas, vai ao encontro do lobo. Até procura por ele, mesmo sabendo que precisa dele fugir, depois de tantas estórias contadas por sua avó. O terno e protetor amor do rapaz de sua idade não lhe interessa tanto. É o encanto que só o desconhecido tem que fascina, e é ao encontro dele que ela vai. Ignora todos os avisos e nos apresenta uma mocinha não tão inocente: a que assume o risco e vai adiante.



Os diálogos e jogos de palavras são o que há de mais interessante sobre o filme. Numa aposta com o desconhecido para ver quem chega primeiro à casa de sua avó, a menina dá como garantia o desejo de seu coração. Ele, em contrapartida, oferece sua bússola. Um tanto desigual. A aposta termina exatamente numa releitura contemporânea (dos anos 80, mas vamos lá) da história da Chapeuzinho Vermelho, mas nas diferenças é que se encontram as melhores partes do filme. Ao encontrar e machucar o lobo que a queria devorar, a menina corre em sua direção e o abraça: “Perdão. Não sabia que lobo chorava”, diz. Mas choram sim, na ficção e mais (muito mais) na realidade.



No final do filme, uma frase resume tudo o que ele passou: “A língua mais doce tem os dentes mais afiados”. Para quem gosta de tempestade em vez de calmaria, todo cuidado é pouco.


Um comentário:

Wilson Gasino disse...

Já que você citou filmes dos anos 80, lembrei de Labirinto, com David Bowie. Tem a ver com a coisa do lobo não ser tão mau assim. A Bela e a Fera também é isso no fundo, não?