domingo, 30 de novembro de 2008

“Juno” e a fórmula de sucesso do filme alternativo

Um punhado de músicas indie. Protagonistas problemáticos, rodeados de outros personagens cheios de manias e neuroses. Figurinos excêntricos. É juntar tudo isso que a gente chega fácil na fórmula que garante sucesso a filmes como “Juno” (2007) e “Pequena Miss Sunshine” (2006). Não é que sejam ruins nem bons por isso, mas seguem uma tendência que, se Woody Allen pudesse ter adivinhado que ia acontecer, teria deixado muitos bons filmes de sua carreira só na idéia.

Para mim também é encantador ver um filme com Velvet Underground, Buddy Holly, Cat Power e Belle and Sebastian na trilha sonora, como acontece em “Juno”, mas isso não resolve o resto todo. Na trilha, tem também aquelas canções em que a banda vai numa direção e as vozes vão em outra – o que garante algum prestígio junto a uma determinada classe de ouvintes.

O que fico pensando é se as pessoas crêem mesmo que “Juno”, de Jason Reitman, é um filme despretensioso só porque não acontece nada nele. Aí tem também festejar tanto a roteirista Diablo Cody, que ganhou o Oscar por ser ex-stripper e ex-operadora de telesexo (que era só o que se comentava sobre ela na época da entrega do prêmio). Mas a Juno, interpretada por Ellen Page, é mesmo bonitinha.

A história? Juno engravida de seu melhor amigo e decide entregar seu filho à adoção. A facilidade da explicação me faz lembrar de um professor que diz que é para ter medo quando a gente consegue falar sobre o que o filme trata assim, tão rápido. Não é que o filme seja ruim, admito: é só que coloca a fórmula do filme alternativo em prática sem encantar, fica faltando aquele ar de maravilha quando termina. Já “Pequena Miss Sunshine”, eu acho, não deixa faltar nada: é cheio de delicadezas e se realiza bem dentro do que propõe.

“Juno” se impõe mesmo pela trilha sonora, mas o tão-festejado roteiro deixa a desejar, já que no filme não acontece nada além do previsto: é uma linha reta. E vamos combinar: a graça do cinema (e da vida) é a surpresa.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A Bela, a Fera e o cinema do possível

Não é à toa que os filmes mais bonitos entram fácil na categoria fantasia. Aliás, são os que escapam da prateleira “Romance” – não coincidentemente, claro – os que oferecem as melhores doses de amor feliz. Não deve ser somente pelos personagens que não são humanos – assim eu, desconfiada, penso. Deve ser porque o amor bom demais tem mesmo que ir pra a classificação de “Fantasia”. Aí é que entra “A Bela e a Fera” (1946), de Jean Cocteau.

Mesmo para os fãs do colorido e das músicas de “A Bela e a Fera”, da Disney, não fica faltando cor nem história nem nada no de Cocteau. Em preto-e-branco, eu diria, a história tão conhecida fica cheia de contornos poéticos, com uma fera interpretada por Jean Marais, já íntimo de quem gosta do cinema que é bom demais para ser verdade por “Pele de Asno” (1970), de Jacques Demy.

A delicadeza que a atriz Josette Day imprime à Bela é ótima, mas Jean Marais está espetacular. Consegue fazer com que a gente – exatamente como a Bela – vá mudando de sentimento em relação à Fera. O que parece tão assustador é, na verdade, um bicho ferido com ânsias de se defender. Mas então a história segue (nenhuma pára) só para provar que a Bela de carne e osso de Cocteau acreditava naquela frase dele mesmo: “Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”. De repente, a história não precisava ser desenho animado para existir: podia ser com gente parecendo gente também. E como Cocteau é convincente!

Os figurinos são maravilhosos (assim mesmo) e os efeitos especiais são bonitos, ainda que não cheios de recursos como é possível hoje em dia. Talvez a graça esteja exatamente aí: Cocteau mostra que é possível aproximar o conto de fadas da vida real. Só vendo para crer.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Romance: o meu, o seu e o de Guel Arraes

O cinema nacional tem salvação, eu vi. Depois de “Todas as mulheres do mundo”, de Domingos de Oliveira, ficou faltando para mim mais um nacional arrebatador, que carregasse consigo a mesma doçura. Encontrei em “Romance”, de Guel Arraes. É claro que foi preciso muita delicadeza para tratar da história de Tristão e Isolda, de Bédier, mas isso, Guel faz com sutilezas de olhares desviados, gestos mínimos. E lindamente.

Gosto da mistura entre teatro e cinema. Gosto do figurino. Gosto da metalinguagem que me lembrou um filme que amo: “A mulher do tenente francês” (1981), de Karel Reisz. Em “Romance”, tem cinema dentro do filme. Ainda mais: tem também algumas peças de teatro e uma história de amor como poucas: a de Tristão e Isolda, a que deu origem ao amor romântico (aqui vale ler “We”, de Robert Johnson, que fala da visão da psicologia da história deles).

“Romance” foge daquela reclamação usual no cinema nacional de que parece novela. Não parece. Parece um filme, mas ainda melhor: fiquei desejando mais quando chegou ao final. Bons cortes de imagem e a fotografia é bem bonita. Os atores estão bem. E o filme tem aquela leveza difícil de se conseguir, principalmente quando se propõe a falar de uma história tão conhecida, daquelas que mesmo quem nunca ouviu falar em Tristão e Isolda conhece, por conhecer o amor. Mas não é cheia de clichês. É ousada, e a graça está exatamente aí.

Depois li no blog do filme que Guel orientou Wagner Moura (o Tristão) a ter algumas referências. No meio delas, tem “Jules et Jim” (um dos meus favoritos do mundo inteiro) e, curiosa mas não absurdamente, “Todas as mulheres do mundo”. Ficou lindo. E tem no elenco Letícia Sabatella, Vladimir Brichta, Marco Nanini, Andréa Beltrão, Zé Wilker...eu adorei.

E é de matar quando Caetano começa a cantar “Nosso estranho amor”. Cinema é reconhecimento, não é? Então tá. Não costumo falar de filme assim, tão recente que ainda esteja no cinema, mas esse mereceu. Vão lá correndo descobrir por que.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

"Sem Reservas" e o doce na medida certa

Filmes sobre comida sempre me chamam especial atenção, mais pelo que revelam das pessoas do que pelos pratos em si (claro que é sempre bom). Geralmente, são filmes despretensiosos e que terminam mostrando alguma coisa fofa – mas quem quer que tenha visto “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante”, de Greenaway, há de concordar que toda regra tem suas exceções.

De “Sem Reservas”, filme de 2007 de Scott Hicks (o mesmo de “Shine”), não esperei muito e confesso: o filme superou minhas expectativas. Kate, interpretada por Catherine Zeta-Jones, é chef de um bom restaurante e vive sozinha até ter de cuidar de sua sobrinha Zoe, que é a fofíssima Abigail Breslin, a Olive de “Pequena Miss Sunshine”. Quem aparece na história também é o subchef Nick (Aaron Eckhart). O que é interessante é que o filme começa mesmo depois da tragédia: antes, é mera apresentação de personagens. E o que se espera de cinema é história, desenrolar, conflitos, soluções. Nisso, “Sem Reservas” não deixa faltar nada.

O que surpreende mesmo é a capacidade de ser um filme leve, bonito até. A fotografia é bem feita, os personagens são cativantes e vamos combinar: nem tudo nesta vida precisa ser Godard. A trilha é do Philip Glass, o mesmo que assinou a de “As Horas”, de 2002. Com todos os ingredientes na medida certa (embora sem nenhum exagero de perfeição, já que não tem essa pretensão), “Sem Reservas” é doce sem passar do ponto.