segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Do mundo beatnik e do amor (ou de "Tristessa", de Jack Kerouac)

Ninguém venha me dizer que arte não vem do artista, ninguém venha com conversinha de distância entre sujeito e objeto. A verdade (se é que há uma, e se é que ela é minha) é que todo mundo se põe nas coisas. E até mesmo os rodados da geração beatnik vão nesse caminho. Eu podia citar James Cain, o meu preferido, mas ainda não. Vou começar por Kerouac.

Famoso pelo seu “On the Road”, Kerouac pra mim tem cheiro de ex namorado. Deve ser por isso que eu demorei tanto de encostar num livro dele, tendo pelo menos uns três na estante. Enfim...comecei por “Tristessa”. A história é: Jack, o poeta protagonista do livro se apaixona por uma viciada em morfina. Não bastasse a semelhança do nome, ainda tem historinha na contracapa do livro: em 1955, Keroauc se apaixonou por uma prostituta chamada Esperanza. Pronto. Não preciso dizer mais nada sobre o autor se pôr dentro da obra.

Tem mais constatação: até os beatniks amam. E não amam pouco: amam até as últimas conseqüências, do jeito que o amor vier. E é um livro tão cheio de entrega do meio pro final que até o início meio chatinho vale a pena. Exatamente como o amor, só que ao contrário: é o final que é bom, muito bom. Jack se entristece ao ver a mulher amada indo embora desde o começo (que nem aquele verso de Cecília Meireles sobre a avó: “Tu eras uma ausência que se demorava, uma despedida sempre pronta a cumprir-se”), e o amor evoluindo, só indo em frente, independente do que acontecesse. Ou seja: até quem não tem perspectiva tem amor. Não é mesmo, Jack?


Vou acender velas para a Madona, vou pintar a Madona, e comer sorvete, anfetamina e pão – “Maconha com carne de porco”, como disse Bhikku Booboo – Vou para o sul da Sicília no inverno e pintar lembranças de Arles – Vou comprar um piano e me mozartear – vou escrever histórias tristes e compridas sobre pessoas na lenda da minha vida – Este é meu papel no filme, vamos ouvir o seu.


Poucas vezes vi alguém terminar um livro assim, tão bem.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

"Hedwig and the angry inch" e eu...eu acho.

Não, não chega a ter nenhum “Play it again, Sam”. Mas é quase isso, com uma Ilsa Lund que muda de sexo, um Rick Blaine mais absurdo que o de Casablanca. E com uma trilha sonora bem mais legal do que “As time goes by” (que eu também amo, que fique aqui registrado). Mas que parece, parece, guardadas, é claro, as devidas proporções. E eu ia falar antes, mas deixei pra agora: pensem num filme que se parece com “Noites de Cabíria”.

Há quem ache que rock ´n ´ roll combina com sexo e drogas. Eu diria diferente: o rock é a cara do coração partido. Desculpa, gente. Eu sei que é desmistificar demais, mas é por aí. Sabe o Macunaíma do amor? É Hedwig. Homem, tenta mudar de sexo para ir para o outro lado da Alemanha na época do Muro de Berlim. É o herói todo errado que ama, que nem Cabíria, mas bem melhor e mais contemporâneo: tem uma banda de rock e cura as amarguras fazendo show em beira de estrada ou em bares com cara de inferninho. Nada mal, quem já ouviu Teenage Idol, de Rick Nelson, sabe como deve ser: I get no rest when I´m feeling weary/ I got to pack my bags and go/ I got to be somewhere tomorrow / To smile and do my show. Ou seja: tem coisa que a gente cura cantando, ou, mais simples ainda, vivendo.

Também não foi fácil achar o filme (mas como tudo que é difícil, valeu a pena). Se achar, escolha a melhor tarde do mês (e se não for a melhor até então, será, depois do filme ter acabado), sente no lado mais confortável do sofá e espere. Veja e ouça The Origin of Love, que Hedwig, a deusa loira, canta. Jogue os preconceitos pra bem longe e assista um dos filmes de amor mais bonitos de todos os tempos. E se prepare pra nunca mais amar do mesmo jeito.


Last time I saw you
We had just split in two.
You were looking at me.
I was looking at you.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Noites de Cabíria e o timing certinho

“Noites de Cabíria”, de Fellini, é um filme lindo. Mas não é pra ser visto a qualquer momento, sob pena de se perder o essencial: a reação que ele causa quando assistimos no timing certo. O fato é que eu já tinha o DVD dele há algum tempo. Deixei um tempo – sempre é bom ter filmes que a gente nunca viu para tardes de chuva – e, numa dessas, peguei pra assistir. Começou. Eu não esperava aquilo. Cabíria é uma prostituta de baixo escalão que, depois de juntar suas economias, é roubada pelo “namorado”. Tá. Aí ela conhece um famosão e fica vendo ele em cenas de amor com a ex-namorada, enquanto, trancada no banheiro, morre de inveja. Ou seja: Cabíria, prostituta, toda errada, quer o que todo mundo quer. Sonha com o mesmo amor de todo mundo.

Permitam só dessa vez, vou contar que o final não é feliz, talvez porque Fellini tenha trabalhado com verossimilhança, e as histórias de amor nem sempre terminam bem. De vez em quando, chove. Daí, em meio a um carnaval de gente passando, numa daquelas cenas que a gente conhece muito bem, quando o chão falta, acaba o filme. A mistura da maquiagem com lágrimas e Cabíria continua andando pelo meio das pessoas felizes, porque simplesmente não dá pra abraçar o mundo. E se chove antes e depois da janela, faz ainda mais sentido.