sexta-feira, 16 de novembro de 2007

"Virgens suicidas" e o filme que eu queria filmar

Ok, Sofia é incrível. Como é que alguém ainda não tinha pensado em filmar “Virgens suicidas”? Li o livro numa sentada só: é daqueles que não dá pra desligar, mesmo já tendo visto o filme e já sabendo o final. Só pára quando o autor, Jeffrey Eugenides, cansa de escrever.


Sou suspeita para falar do livro porque gosto muito do filme. A diferença, dessa vez, é que fiz o inverso do que costumo fazer: geralmente leio o livro e só então vejo o filme. Posso citar uma infinidade de vezes em que fiz isso e o filme, salvo raríssimas exceções (como “Morte em Veneza”, de Thomas Mann, filmado por Luchino Visconti), se iguala ao filme. Acho complicado superar, mas esta é só minha modesta opinião.

Daí que o filme é completamente ajustado ao livro. A mesma atmosfera onírica, a mesma cor de memória, o mesmo jeito delicado de esperar que a história se desenrole, pacientemente. Gosto disso. Às vezes, o cinema se traduz numa pressa do final que estraga tudo. No livro e no filme de “Virgens suicidas”, não: tanto Jeffrey Eugenides quando Sofia Coppola têm claramente o propósito de criar um ápice durante o desenrolar da trama, mesmo sem esconder, desde o início (eu diria, desde o título), o desfecho. Ou seja: o maior trabalho dos dois é trabalhar lindamente o meio da história, é isso, talvez o maior trunfo de todos seja diminuir a relevância do início e do fim, caprichando no “durante”. Pouco importa como se nasce ou como se morre, o importante mesmo é como se vive.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Dalton Trevisan e a incrível arte da surpresa

Dalton Trevisan é um daqueles caras que parecem ter sempre 40 anos. Ele me parece urbanão, da janela de algum edifício alto, procurando histórias pra contar com um binóculo nos olhos. Já havia lido dois de seus livros, “2 3 4” e “Ah, é?” e tinha uma opinião. Achava seus mini contos diretos, fáceis e marcados pela violência. Sempre. Você sabe que aquela talvez não seja a melhor leitura depois de um dia corrido: não vai te relaxar. E então, ontem, antes de dormir, fiz o que eu não recomendaria: peguei “Continhos galantes” para ler. Só me deu sono quando terminei de ler a última página. E dormi bem, muito.

Os dois que li antes eram bons, muito bons. Mas esse é 100%. Com a maior sutileza do mundo, Trevisan diz o que tem a dizer. Fala de bêbados, prostitutas declaradas, cornos, velhas loucas por sexo. Mas tudo devagar, deixando ao leitor a parte mais divertida e instigante: a conclusão. É preciso chegar ao final para desvendar toda a história, para descobrir com certeza quem são os personagens e que situações vivem. E nada de previsível: às vezes acontecem coisas, outras, não. Afinal de contas, são pessoas que vagam pelas ruas e com quem esbarramos vez por outra. Lembro de um poema de Martha Medeiros que diz algo como “bêbados, junkies, punks, o mundo tem sido injusto com vocês”. Para os fãs desses, “Continhos galantes” é a justiça.

* É difícil escolher um conto dos 14 do livro. Pela delicadeza e pelo clímax, acho que “A guardiã da mãe” é perfeito.