sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Jean Vigo e o amor

Se Truffaut disse que Jean Vigo fez uma obra-prima em “O Atalante” (1934), quem sou eu para desdizer? Minha estréia em Vigo não podia ser melhor nem com mais timing: entrou fácil para a lista dos favoritos dos que falam sobre o amor (encabeçada, sem sombra de dúvida, por “Um homem, uma mulher”, de Claude Lelouch).

O filme começa numa viagem – dessas de navio, rumo ao desconhecido, como é todo amor – na qual embarcam os recém-casados Jean e Juliette. Os diálogos são lindos:

- Você não sabe que pode ver a pessoa que ama na água? Quando eu era pequena, via essas coisas. No ano passado, vi você e o reconheci na primeira vez que foi à minha casa.

Entre uma e outra noite em Paris, o amor vira dúvida, e Jean e Juliette decidem se distanciar: ela, porque prefere fugir do navio a ter que aceitá-lo; ele, porque seu orgulho o faz recusar-se a procurar por ela. Mas os caminhos sem amor se mostram sempre mais tortuosos do que se espera.

Além da graça típica de um amor vivido em preto-e-branco, quase alheio à importância das outras cores, como um amor que se basta do jeito que é, o filme é poesia. O navio de Jean Vigo é puro final feliz.

domingo, 19 de outubro de 2008

O amor pela comida, o amor e a comida

Muitos filmes falam bem do amor pela comida, mas Politik Kouzina (“O tempero da vida”, no título em português), de 2003, consegue ir além: trata da íntima relação entre o amor e a comida. Mais ainda: o diretor Tassos Boulmetis decide falar de temperos privilegiando a boa fotografia, a que deixa o espectador com vontade de estar lá. Se o cinema tivesse cheiro, certamente o filme seria uma boa oportunidade de sentir canela e noz moscada no ar.

Aqui, o mote principal é a vida do menino Fanis e sua relação de amizade com seu avô, que o ensinou sobre os segredos da boa mesa. A vida de Fanis muda depois de ser deportado para a Grécia com seus pais, e inicia, durante vários anos, uma jornada de volta à Turquia, que promete algumas dores no caminho. A graça é que voltar a si mesmo – nisso o filme não mente – sempre carrega um pouco de abandono em nome do aprendizado.

E há o amor. Por ele, o filme pára um pouco e mostra, em vez de barulhentos jantares com toda a família de Fanis em volta da mesa, uma dança, um pedido, um prato feito com amor. E uma recordação que se deixa para sempre, inabalável até mesmo pelo tempo e pela distância.

“O tempero da vida” termina por fazer alguns carinhos no espectador, seja com tomadas belas ou com a delicada trilha sonora, que se faz perceptível sem que invada ou atrapalhe as cenas. O elenco é bom e seus personagens parecem algum lugar já conhecido, quase como se fosse fácil demais se afeiçoar por cada um deles. O filme aparece dividido em três partes: os antepastos, o prato principal e as sobremesas, contando, assim, a história em início, meio e fim. E o mais curioso de tudo é que não há propriamente um fim, mas um tempero diferente emprestado à mesma vida.