quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Wong Kar Wai e o "Amor à flor da pele"

Tempo passando em cortes abruptos, Wong Kar Wai brincando de fade in e fade out com luz e escuridão: tem tudo isso em “Amor à flor da pele” (2000). O filme é um tratado sobre descoberta e segredo, desejo e resistência, afirmação e negação. Tantos elementos paradoxais juntos não fazem do filme uma confusão, mas uma realidade que existe na história de todo mundo: como seria se não nos negássemos algumas coisas e aceitássemos outras de bom grado?


No enredo, um certo sr. Chow e uma certa sra. Chan se encontram diante do dilema de terem seus cônjuges tendo um caso. Passam a ser parceiros de madrugadas e escrevem juntos – ele queria escrever, mas não tinha coragem. Com ela, ele escreve-, como se cada pessoa fosse um território inexplorado e estivesse esperando apenas por outra para se desfazer em talentos, alegrias e riso. “Os sentimentos podem crescer de repente”, sr. Chow diz.


O tempo passa rápido, em cortes implacáveis: é preciso correr para viver o amor. É preciso ter pressa para viver no intervalo entre o passado e o futuro: no passado, não se pode tocar; do futuro, não se sabe. Em Wong Kar Wai, o amor que é deixado para depois fica sem ser. Mas não para sempre: quatro anos depois de “Amor à flor da pele”, o diretor volta para o quarto 2046 onde o sr. Chow esteve e filma “2046 – Segredos do Amor”. É como se Kar Wai desse uma segunda chance ao sr. Chow: já que não podia tocar no passado, que se entendesse então com o futuro.


E há a árvore dos segredos em “Amor à flor da pele”. Quem tem um segredo, abre um buraco numa árvore, conta e depois cobre com lama. O amor está exatamente no que não é dito, no que parece ridículo ou absurdo demais para ser pronunciado. Por isso, tantos silêncios acompanham o filme: a trilha toca alto para deixar os amantes entregues somente a si mesmos. O amor em Wong Kar Wai é assim: sutil, delicado, sem arroubos românticos nem beijos molhados. É delicado – como seus personagens – e, de repente, o filme fica sem precisar de um final feliz: não são todos os amores felizes enquanto há amor?