domingo, 30 de março de 2008

Como amar uma cidade

As cidades são encantadas. São tantos tipos de pessoas juntas que parece impossível que elas caibam todas no mesmo lugar, ao mesmo tempo. E enquanto você anda, elas te olham, te abordam, falam amenidades ou simplesmente te conquistam. Comecei amando esta cidade onde estou depois de ouvir o sotaque local. Amei a simplicidade, amei os costumes, todos com um jeito de quem parece aristocrata. Até mesmo os camponeses aqui são de natureza altiva, têm um certo nariz empinado.

E há os caminhos. Os lugares por onde você passa que sempre te lembra outros em que você já esteve antes – o porto de sua cidade de origem, seu restaurante preferido, aquela cidade do interior bem feinha, mas que a viagem foi tão boa que você nunca esqueceu. Vai tudo, aos pouquinhos, ficando bem querido ao coração. E então você começa a se tornar parte daquilo tudo.

Para escrever sobre esta nova cidade, onde você encontrou amigos que já são amigos de seus amigos, é preciso que você se recorde de quanto tempo passou escolhendo o livro da viagem – aquele que te acompanhará nas horas de tédio. E pensar que você, entre Fante e Barthes, terminou escolhendo um terceiro: Flaubert. Nem tão romântico nem tão sem-perspectiva.

Sempre há as pessoas. A senhora que te deu a mão para que você conseguisse sentar em sua poltrona depois de o filme ter começado, o guarda que te deu bom dia, a moça que passou em frente à escultura e disse, à toa: “O artista mora ali naquela casa branca”. Os carinhos que a gente encontra mesmo sem dizer o que está procurando. Estou apaixonada. E desta vez, por uma cidade.

sexta-feira, 14 de março de 2008

"O Passageiro: profissão repórter" ou o inferno é ser o outro

Michelangelo Antonioni sempre se revelou num grande mistério para mim: consigo enxergar claramente sua importância, mas meu coração clama por coisas mais lineares que ele. Por isso, e só por isso, ele não tem meu amor. Mas tem minha admiração, porque há, em seus filmes, traços óbvios de um indiscutível gênio.

Ao assistir “O passageiro – profissão repórter”, de 1975, mais uma vez essa dúvida me assaltou. Tem Maria Schneider, que era das atrizes preferidas de meu avô, contracenando com um Jack Nicholson mais tipão do que se vê por aí (e que, aliás, se aproximou bastante do que eu vi em “O destino bate à porta”, que é outra história). A câmera do filme de Antonioni tem vida própria, posso dizer sem medo. E faz algo que eu considero lindo no cinema (quando bem feito, claro): a câmera se fixa, o personagem sai e ela continua ali, no cenário. Exatamente como a vida. Outro dia, vi isso muito bom em “A vida sem mim”, na cena do ponto de ônibus, é de cortar o coração. Funciona mesmo.

As voltas ao passado são feitas de um jeito particularmente interessante: as vozes em off, repentinamente. A distância entre o passado e o presente é a de um travelling na câmera. Mas o melhor de tudo do filme – além de tanta coisa boa – é o que ele diz. Niilismo puro, não há bom lugar para quem está fugindo de si mesmo. E que pior mesmo que o outro é ser o outro.